Uma vida em 10 minutos

O que acontece quando percebemos que deixamos a vida nos levar, em vez de levar a vida? Será que já é tarde demais?

O relógio digital sobre o criado-mudo marcava 3:23 quando Joana acordou de sobressalto. “Está quase na hora”, pensou. Sentiu um frio percorrer a espinha e agitar seu corpo. Parecia ouvir a voz da mãe: “Que menina linda! Vai conseguir muitos namorados assim”, dizia dona Gina, com o avental ainda molhado da louça que secava sobre a pia, para a garota com não mais de cinco anos girando com seu vestido vermelho.

3:26. “Quando você vai namorar?”, era o acompanhamento que tia Ana lhe entregara com a corrente de ouro falso na caixa de papelão minutos antes da sua valsa de 15 anos.

3:29. Os sinos da igreja ainda repicavam enquanto lhe choviam grãos de arroz na cabeça. Sentia-se realizada, aos 25 anos, ao lado de Mário. Estava certa de ter tudo que desejava na vida, até ouvir de Gertrudes: “Que alegria, prima. Logo chegam os filhos para completar sua felicidade”. Olhou para o recém-marido. “Filhos, será?”, foi o pensamento que embarcou com eles na lua-de-mel.

3:31. Pietra já estava com 9 anos quando Joana decidiu dar o ultimato no marido: “Minha irmã está certa: precisamos ter logo outro, para ela não se sentir sozinha. Você ouve o tic-tac do meu útero querendo ser mãe novamente?”.

O relógio digital não fazia tic-tac quando marcou 3:33. Era oficial. Joana tinha 45 anos, segundo a certidão de nascimento. Ela ainda não sabia, mas seu próximo pensamento mudaria o rumo de sua vida a partir daquele instante: “Será que é tarde para ser bailarina?”

Imagens por Pixabay

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