Por onde andará Maria Cândida? Uma dúvida quase existencial

No início eu achei que era um engano comum, desses que deixam a gente louca no meio da madrugada, que acontece quando você conseguiu fazer o bebê adormecer ou na cena mais emocionante do filme. Depois da terceira vez eu comecei a desconfiar. A voz era sempre diferente, o que me impedia de dizer: eu já disse que aqui não mora nenhuma Maria Cândida.

Tocou o primeiro mês praticamente todo, mas eu continuava firme, educada como mamãe ensinou.

Confesso que houve vezes em que quase “rebentei”, principalmente quando era na hora do almoço e eu tinha que correr da cozinha. Subir escadas de sobrado correndo não é fácil, só sabe quem passou. Será que Maria Cândida também mora em um sobrado? Se mora, deve ser um sobrado todo branco por fora, com uma pequena varanda onde ela se debruça para ver quem toca a campainha. Nas manhãs de sol dá gosto abrir a janela e deixar a luminosidade invadir cada canto do quarto. A cama bem arrumada, o lençol clarinho que a mãe faz questão de trocar dia sim, dia não, mesmo que seja domingo. Definitivamente, Maria Cândida só pode morar em um sobrado.

No segundo mês os telefonemas ficaram um pouco mais espaçados. Chamavam de vez em quando, sem muita insistência e já se conformavam quando eu dizia: não tem ninguém com esse nome.

Eu estava começando a relaxar quando chegou o terceiro mês. Não sei o que aconteceu, mas os telefonemas vieram com força total; lembro que houve um dia em que foram umas três vezes. Se não me engano, nem domingo escapou. O que será que Maria Cândida andava aprontando?

Eu estava tranquila, feliz no meu sobradinho e nada nem ninguém iria tirar minha paz. Estava decidido.

O quarto mês chegou de mansinho e eu mal percebi que ainda não tinham encontrado a Maria Cândida. Ligações confusas, atropeladas, que chegavam no meio do trabalho e eu só tinha tempo de responder: não, não conheço, e desligar. Desculpe Maria Cândida, mas não era possível dar mais atenção.

Eu nem comentaria o quinto mês se não fosse por aquela sexta-feira à noite. Sexta à noite é maldade procurar a Maria Cândida, porque a mim ninguém procurava. Eu acho que chovia; se não chovia, devia ter chovido para todo mundo ficar em casa ao lado do telefone esperando ligação, como eu. “Posso falar com a Maria Cândida?”. Hesitei em responder. “E se ….” não, eu não poderia fazer isso. Falsidade ideológica é crime e até onde eu sei não consideram carência como atenuante. Desliguei sem conseguir responder. Aquilo foi maldade.

No sexto mês eu comecei a desconfiar que aquela história não ia acabar tão cedo e eles não perceberiam que a Maria Cândida se fora, a essa altura estava longe com o dinheiro da financeira que tinha colocado toda a equipe no encalço da moça. Bem, pelo tanto de ligação que recebi, não deve ter sido pouco o montante. A essa hora Maria Cândida deve estar num sobrado enorme, cinco quartos, piscina, playground para as crianças que ela espera para novembro.

Achei que já tinha dado bastante tempo de a moça escapar; resolvi fazer o aviso crucial: “não tem ninguém com esse nome nesse número, eu estou com ele há mais de seis meses e nesse tempo todo respondo diariamente que não há Maria Cândida aqui. Será que vocês poderiam registrar?” A moça, com toda a educação, avisou que estava tirando naquele momento o número do meu telefone da ficha de cadastro.

O alívio chegou acompanhado de preocupação. E se eu sentir falta da Maria Cândida? Fiquei tão acostumada que parecia da família. Houve dias em que eu cheguei a pensar que ia olhar para o lado e encontrá-la ou ela ia chegar de repente e perguntar: “alguém ligou para mim?”. Não haveria mais telefonemas para Maria Cândida, só o vazio. Concluí que com o tempo esse vazio passaria.

Dois dias de silêncio, a melancolia deixando seu lugar, até que um som familiar invadiu o ambiente. “Por favor, a Maria Cândida está?”

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