Coração de mulher: “As mulheres sentem diferente as dores do coração”

A frase do título poderia se referir às dores de amores que machucam o coração: o fim de uma relação, a perda de um ente querido, o distanciamento de uma grande amiga… Pode ser até que as mulheres sintam de forma diferente essas também. Mas as dores que devem chamar nossa atenção e às quais se refere o título dessa matéria chegam como alerta feito pelo cardiologista do Hospital do Coração e do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, Ricardo Contesini. “Aquela imagem que a gente tem do homem com a mão no peito tendo um infarto do miocárdio, na mulher não é tão comum”.

Vamos aproveitar o encerramento do Setembro Vermelho, mês de alerta à saúde cardíaca, e o Dia Mundial do Coração, 29 de setembro, para lembrar de dar mais atenção a esse órgão vital. Ter em foco que a data foi criada porque as doenças cardiovasculares são a principal causa mundial de morte – segundo estimativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), elas são responsáveis pelo óbito de 18 milhões de pessoas por ano, cerca de 31% de todas as mortes registradas no mundo.

No Brasil, os números indicam que ocorre uma morte por doença cardiovascular mais ou menos a cada minuto e meio – são 350 mil óbitos por ano em decorrência de problemas cardíacos. A Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) criou um contador para registrar o total de mortes por essas doenças, o cardiômetro , e a soma anual até o dia 30 de setembro de 2019 passa de 296 mil mortes.

Há estudos médicos indicando que no país, de cada cinco mulheres, uma pode sofrer um infarto e que a chance de uma mulher morrer de infarto é 50% maior em relação aos homens. E o aumento do tabagismo no sexo feminino, o estresse da dupla jornada, a competição do mercado de trabalho estão piorando essas taxas.

Uma das grandes preocupações é que as mulheres nem sempre percebem que algo vai mal com o coração.

De olho nos sinais

Se a conhecida dor no lado esquerdo do peito que irradia para os braços não é o sinal principal de alerta para indicar eventos cardiovasculares nas mulheres, qual seria?

Ricardo Contesini explica: as mulheres podem sentir náusea, dor em algum lugar no tórax não necessariamente do lado esquerdo – pode ser do lado direito -,  e nem exatamente na direção do coração – pode ser no pescoço, nas costas, na boca do estômago. Eventos cardiovasculares nas mulheres também podem provocar falta de ar. “Falamos que é uma dor atípica, diferente da dor do homem. É importante alertarmos as mulheres para que se tiverem qualquer tipo de dor diferente, ou cansaço, para ficarem atentas, porque pode ser um sinal de evento cardiovascular”, reforça.

Depois da menopausa, complica

A menopausa traz diversas mudanças para o organismo feminino – entre elas, complicadores para a saúde do coração.

O cardiologista avisa que até a menopausa as mulheres têm menos chance do que os homens de ter um infarto agudo do miocárdio, mas depois dessa fase a situação se inverte e as mulheres correm risco maior. “Com a menopausa, aumenta muito a chance de a mulher ter um evento cardiovascular”.

Gestação exige atenção especial

Esse é mais um momento de mudanças no corpo da mulher que demanda atenção especial. Conforme Contesini, como com a gestação aumenta bastante a quantidade de sangue no organismo e a necessidade de oxigênio no sangue, acaba sendo um estresse para o corpo, com mudanças metabólicas e hormonais muito grandes. “Se a mulher tinha um problema que não sentia, porque era leve, quando fica grávida acaba aparecendo muito mais e pode descobrir uma cardiopatia na gestação. Essa situação é mais comum em gestações tardias”.

Outra questão comum na gestação, a hipertensão, também merece atenção. Por isso é importante que gestantes façam acompanhamento com cardiologista.

O que está acontecendo?

Se as mulheres tradicionalmente enfrentavam menos problemas cardíacos do que os homens, o que aconteceu para essa situação se inverter e os números de óbito pela doença no sexo feminino aumentarem tanto?

“A mulher tinha por tradição se cuidar mais do que o homem e isso hoje em dia já não é tão verdade. A taxa de tabagistas mulheres no país é maior do que a de homens. As mulheres também estão no mercado de trabalho da mesma forma que os homens – o estresse, a ansiedade e a preocupação aumentam a taxa de eventos. E ainda enfrentam uma dupla jornada para cuidar da casa, da família, dos filhos, sentem a própria cobrança. Tudo isso acaba agregando riscos”, destaca o médico. Ele chama atenção para fatores que podem oferecer mais riscos de eventos cardiovasculares, como reposição hormonal e uso de pílula anticoncepcional.

Contesini diz que se acreditava que as alterações hormonais da menopausa, com a diminuição das taxas de estrogênios, poderiam ser um dos fatores para os riscos maiores nas mulheres, mas esclarece que quando a reposição hormonal é feita a mulher infarta mais. “É difícil estipular com certeza o motivo para essa propensão de maiores riscos após a menopausa, mas que há, há. Será porque antes as mulheres se cuidavam mais, fumavam menos, faziam mais atividade física e não sofriam tanto o estresse do mercado de trabalho? Ainda não conseguimos comprovar”.

Outro fator que merece destaque é o fato de a diminuição do metabolismo que acontece na menopausa costumar favorecer o aumento de peso – Contesini ressalta que o ganho de peso por si só não é fator de risco, mas normalmente a pessoa que está acima do peso tem problemas com colesterol alto, hipertensão, diabetes, que são fatores de risco para eventos cardiovasculares.

O que fazer?

O importante, avisa o cardiologista, é reduzir os fatores de risco: a começar pela cessação do tabagismo, para quem é fumante. Em segundo lugar ele aponta a importância da prática de atividade física como prevenção de doenças cardiovasculares. Essencial também estar atenta ao aumento de peso, ingestão de bebidas alcoólicas, controlar a pressão arterial e, para quem tem diabetes, fazer acompanhamento cuidadoso.

“Fundamental fazer exames periódicos, check up anual com cardiologista a partir dos 40 anos. Mulheres diabéticas, hipertensas ou que têm outros fatores de risco devem começar esse acompanhamento antes. A mulher muitas vezes cuida da família inteira, dos filhos, do marido, e não se olha”.

Cuidado em todas as idades

Apesar de o risco ser maior em mulheres acima dos 40 – 50 anos, o ideal é se cuidar a vida toda. “Estilo de vida é a grande chave do negócio”, conclui o cardiologista. “A mulher deve lembrar sempre que as alterações e sinais no organismo dela não são iguais dos homens e olhar para si com mais cuidado”.

Texto e imagem: Viviane Pereira

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