Desconectar para reconectar

Assim que entrei no vagão do metrô da linha lilás naquela manhã percebi algo diferente. Costumo usar mais os trens das linhas azul e verde, por isso o horário comercial na linha lilás era uma novidade para mim. Normalmente cada linha, cada horário, cada momento tem um público diferente, um comportamento peculiar. Mas havia algo mais que me parecia estranho, que em um primeiro momento não conseguia identificar. Não podia dizer que havia algo errado – pelo contrário: eu tinha a impressão de que havia algo certo.

Eu olhava as pessoas e não percebia, a princípio, nada de anormal. Estavam todas quietas, em suas individualidades, muitas olhando para o nada. Olhando para o nada – repassei esse pensamento e eis que percebi o que era tão diferente do cotidiano que eu via nas outras linhas. Pessoas olhando para o nada e não dezenas, centenas, milhares de olhos vidrados em seus celulares enquanto vão de um lugar para outro, enquanto esperam, enquanto sobem e descem escadas rolantes, enquanto andam…

Para quem não conhece, uma explicação que vai elucidar a questão: a linha lilás não tem nem sinal de telefone, que dirá de internet, para que as pessoas passem todo seu tempo livre – e os nem tão livre assim – mergulhadas nas redes sociais. Quem vai de outra linha de metrô, da azul, por exemplo, precisa descer escada atrás de escada atrás de escada, sem esquecer que você já desceu para trafegar na linha azul. Lembro que quando acessei a linha lilás pela primeira vez a primeira lembrança que me ocorreu foi Julie Verne e sua viagem ao centro da terra. Com certeza estávamos longe do centro da terra, mas também provavelmente foi o mais perto dele que eu já tinha chegado.

Voltando ao vagão, sem sinal de telefone ou internet, parecia que tinha voltado uns 15 ou 20 anos no tempo, ao metrô de antes de sermos possuídos por essas máquinas viciantes sobre as quais nos dobramos diariamente.

As pessoas estavam realmente ali – algumas não tão realmente, como falei, pois mantinham o olhar perdido no nada; falta de hábito, talvez. Mas havia as que olhavam ao redor para observar quem estava por perto. Sim, as pessoas estavam se olhando. Vi um rapaz dar um olhar mais demorado a um grupo de moças, que cochicharam algo entre si e sorriram. Acho até que vi um senhor assoviando.

O mais emocionante para mim, como escritora e leitora apaixonada, foi ver pessoas lendo. Não lendo os últimos posts  de suas redes, mas lendo livros – em formato físico ou digital – e até gente estudando. Estávamos ali, de volta ao momento presente e ao local onde nosso corpo físico está, para compartilhar experiências humanas.

Será que a solução para voltarmos a ter uma sociedade que se vê, que interage, que vive no aqui e agora será desligar um pouco a internet? Não falo de desconexão pública, que a cada um caberá sua própria decisão, mas pelo menos o acesso individual, que ao mesmo tempo que nos conecta com o mundo, acaba nos deixando completamente desconectados dele.

PS.: as seis imagens que ilustram essa crônica, de pessoas lendo e estudando, foram tiradas em apenas um vagão.

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