Um brilho. No instante em que atravessei a sala para ir à cozinha, um brilho vindo da janela e que transpassava a cortina chamou minha atenção. Ele sumia e voltava repetidamente. Fiquei ali alguns instantes apreciando a luz que surgia difusa após atravessar o vidro e o tecido fino. Maior do que a curiosidade em saber o que trazia aquele brilho do exterior para dentro da minha casa era o desejo de apreciar o momento, permitindo-me imaginar diferentes inusitadas situações.
Seria um disco-voador? Uma mensagem divina tão bem-vinda nesse momento de Quaresma atípica?
Em tempos de pandemia e isolamento, em que nossa realidade está limitada ao que os retângulos de nossas janelas nos permitem observar, aquele brilho inesperado era mais do que bem-vindo para trazer uma novidade ao meu dia.
Hesitei ainda um instante, caminhando lentamente até minhas mãos alcançarem a cortina e a afastarem, sem qualquer pressa, adiando para aumentar o prazer.
E lá estava ele, o catavento laminado captando a luz do nosso Astro-Rei e enviando-a diretamente a mim, para brincar comigo dentro da sala de estar. Inevitavelmente, sorri.
Sorri de alegria, de emoção, sorri como criança que descobre sua surpresa de Páscoa após a caça ao tesouro.
Escrevendo esse texto lembrei-me de trechos de um poema do eterno Pessoa, Fernando Pessoa, na figura do seu heterônimo, particularmente meu preferido, Alberto Caeiro:
“Numa casa a uma grande distância
Brilha a luz duma janela
Vejo-a, e sinto-me humano dos pés à cabeça.
(…)
A luz é a realidade imediata para mim”.
Na correria do dia a dia costumamos não nos importar muito com a realidade imediata. Estamos sempre olhando o que está adiante, no tempo e no espaço, fixando-nos no que vai bem além de nossa janela e no que virá depois. Esse período de quarentena tem demonstrado como é importante preservar e cuidar para que nossa realidade imediata nos seja prazerosa e assim possamos conviver bem, em primeiro lugar, com a gente mesmo.
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