As tarefas cotidianas e o ônibus lotado: o que eles têm comum

Sobrecarregada com coisas a fazer na pandemia, a 40tona embarca em uma viagem - num ônibus beeeem cheio

A 40tona está sobrecarregada com tarefas nessa epidemia

Confesso: eu fraquejei. E não foi apenas uma vez, não; diria que foram duas, quase três. Vou ficar com duas e meia para ser justa. Até que vinha bem, apesar de não conseguir fazer quase nunca atividade física nessa pandemia, mantinha as atividades diárias em dia, estava conseguindo organizar algumas coisas acumuladas, tirar alguns projetos do papel.

Mas depois de quase três meses de isolamento, veio o rebote. Primeiro uma gripe forte dias depois da ida ao mercado, de ficar de cama e, claro, com a pulga atrás da orelha diante da possibilidade de ser covid. Aparentemente não era e foi breve a recuperação. 

Nesse ponto chegou o final de semana, um desânimo absurdo se abateu e tudo de trabalho que estava programado para fazer ficou no papel mesmo, na lista imensa que me assombrou logo cedo na segunda-feira. Daí as obrigações foram se acumulando, a comida acabando sem tempo de parar tudo e ir ao mercado, com toda implicação de tempo que isso acarreta, lavando item por item na volta. O pânico bateu. Para, inspira, respira. Funcionou. Foco em uma coisa por vez e aos poucos o ritmo volta, as tarefas vão sendo executadas trazendo o grande prazer de ticar vários itens de uma vez. 

Quando vejo a lista ainda grande com o monte de obrigações que, claro, continuam a se somar, penso em uma cena que só quem já andou em ônibus muito, mas muito lotado, vai entender. Tem aquele momento em que não cabe mais ninguém no ônibus, nem sentado, nem em pé, nem se equilibrando na ponta de um pé só pendurado no cabo que fica preso ao teto. Ainda faltam alguns pontos para chegar ao ponto final, que é um grande terminal de ônibus, e provavelmente ninguém vai descer até lá. Você está perto da porta, contando os segundos para ela abrir e desabar correndo, mantendo o nariz esticado em direção à janela aberta para sentir o ar circulando lá fora – já que dentro não há espaço para isso – e eis que alguém resolve empurrar. A pessoa não quer descer, não tem para onde passar, mas empurra pelo simples prazer de empurrar, criar movimento ou vai saber que tipo de perversidade passa em uma mente que empurra outras pessoas numa situação dessa. 

O bom é que nessas horas sempre tem alguém ou bem humorado o bastante ou mau humorado o suficiente para soltar aquele grito: “ÔÔÔ, não empurra, não. Tá com pressa pra descobrir que é corno? Segura aí que o motô (aos não familiarizados com o vocábulo de transporte público, motô é o nome geralmente carinhoso dado ao motorista) rapidinho deixa nós lá”. A risada toma conta do busão, lembrando que em situações difíceis é possível sorrir.

É dessa forma que olho hoje para a lista de obrigações. Enquanto estou concluindo um dos itens, as muitas outras coisas que esperam para serem feitas começam a chegar e encher o ônibus da minha mente: ir ao mercado (de novo), lavar roupa, limpar a casa, acabar o trabalho, preparar o orçamento, chamar o técnico da máquina de lavar, pagar contas, hidratar cabelo, ligar para o cliente, ligar para o banco, deixar a apresentação pronta, responder e-mails, limpar a caixa de e-mails, limpar mensagens acumuladas no celular… Antes que elas tomem conta de tudo e nem o que eu estava fazendo consiga acabar, grito a elas: “ÔÔÔ, empurra não que vai chegar sua vez”. Até porque, todo mundo vai descer junto no ponto final mesmo. 

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