Firefly lane – Amigas para sempre

Amizade, história de amor às avessas, viradas de roteiros e dúvidas no ar. A experiência boa da série Firefly lane, da Netflix

“Isso não se faz!” – era o que eu gostaria de dizer aos roteiristas da série Amigas para sempre (Firefly lane – no original), depois de assistir ao último episódio da primeira – e até então única – temporada, que está na Netflix. 

Sabe quando você tem certeza de que aconteceu alguma coisa ruim, porque vê as péssimas consequências, mas não consegue descobrir o que ocorreu? É assim que termina a primeira temporada. E para quem se envolve com a trama, como aconteceu comigo, pode passar o dia seguinte imaginando o que afinal levou àquela situação – e imagina coisas terríveis.

Ao mesmo tempo em que é angustiante, também é bom exercitar a criatividade pensando em possibilidades, imaginando cenas, descartando algumas com a certeza de que não justificariam o que houve depois – porque eles mostram o futuro, mas não o que levou até ali – e mantendo outras no radar como candidatas a fato. 

Aliás, essa inversão temporal é algo que o roteiro da série faz com bastante competência, assim como as viradas imprevisíveis e a capacidade de levar nossa imaginação para um lado – induzida pela história, claro, criada com esse objetivo – para, às vezes, descobrirmos que não era bem como achamos que fosse.

Gostei muito do roteiro, para mim um dos pontos altos da série, assim como o belo trabalho das duas atrizes principais que interpretam as versões jovem e adulta das amigas que dão o nome ao título em português, Tully (Katherine Heigl) e Kate (Sarah Chalke), de quem já era fã. É uma delícia ver a sintonia das delas. Mais de uma vez me peguei sorrindo com suas cenas de amizade.

Vemos, ao longo de toda a temporada, três versões de Tully e Kate nos contando suas histórias: adolescentes, jovens e adultas. Apesar do vai e vem no tempo, as ações são bem amarradas por fatos, cenas, às vezes até um detalhe, um objeto, como quando um enfeite de papai noel que aparecia na casa da família de Kate adolescente, no corte temporal está em destaque agora na sua casa.

Amizade e muito mais

A série é, obviamente, como o nome na tradução em português nos diz, uma bela história de amizade de duas mulheres que começa na adolescência e segue pela vida. Vemos cenas lindas, emocionantes, do amor das duas amigas na alegria e na tristeza, na saúde e na doença. O verdadeiro sentido de ‘best friends forever’. 

As vidas delas se cruzam de forma bastante intensa, elas se tornam família, o que podemos perceber em alguns detalhes como o nome do programa que Tullly apresenta, que é a forma como a mãe de Kate chama a reunião das mulheres da família: ‘The Girlfriend Hour’.

A história também aborda outros temas bacanas, como a dedicação, a força e a garra para lutar pelos próprios sonhos. E entender que é tão importante um sonho de ser uma mulher bem sucedida sem filhos quanto o de ter uma família.

Trata ainda da consciência de que viver é conviver com as dores, as sombras que habitam nosso passado e aprender a não deixar que nos paralisem – o que nem sempre acontece, mas não nos impede de continuar tentando.

História de amor às avessas

Eu comentei antes que o roteiro trabalha muito bem a inversão temporal, de nos mostrar um fato no futuro e depois ir contando a história de como tudo se deu até chegar ali.

Dentro dessa estrutura a relação de Kate e Johnny se apresenta como uma história de amor às avessas. Nas histórias de amor geralmente sabemos desde o início quem é o mocinho, quem é a mocinha e que eles ficarão juntos no final – aguardamos para descobrir como. Será na cena da corrida até o aeroporto para ela não ir embora? Será na praça em que se conheceram? Tentar descobrir e imaginar faz parte da diversão.

No caso da relação deles é o contrário: você sabe desde o início que eles casaram, tiveram uma filha e estão em uma fase difícil do casamento, pensando em separar. Sabe também como eles se conheceram e que Kate se apaixona por ele desde o primeiro instante.

O que não sabemos é como e quando eles ficam juntos pela primeira vez. Seguimos os desencontros de Kate e Johnny a cada encontro pensando: dessa vez vai… 

É outra brincadeira gostosa do roteiro, já que Kate adora desde nova histórias de amor romântico, com o tal final feliz, e justamente na sua estamos diante do final e ficamos à espera de descobrir como se deu o início feliz.

Não maratona, não. Curte

Para quem se interessar por assistir eu sugiro não maratonar, apesar da curiosidade que fica ao final de alguns episódios com as dúvidas que o roteiro deixa no ar. Já no primeiro, quando termina, você se pergunta: “será que é isso mesmo que está acontecendo?”. 

O primeiro impulso é se deixar levar – afinal, em alguns segundos o próximo episódio começa sem qualquer esforço, e você está mesmo curiosa em saber para onde essa história vai. Por que resistir?

Vou dar um motivo que para mim valeu muito a pena: saborear as viradas que os roteiristas construíram. Sabe aquela estrutura de novela que já está bem avançada, os personagens foram apresentados, a trama está estabelecida e começa a esquentar? O episódio de sexta-feira termina deixando uma grande questão no ar e você não vê a hora de chegar segunda-feira, no horário nobre, para assistir? É por isso que vale esperar, para ter essa sensação.

Ao longo do dia seguinte, por mais de uma vez me peguei pensando se era realmente aquilo que parecia ser, relembrando cenas, diálogos e foi uma agradável pausa na rotina do trabalho. Curtir a ansiedade de aguardar o momento de assistir ao próximo episódio.

>>> Não é bem um SPOILER, porque não vou responder a dúvida que fica no ar. Mas se não quiser saber nem a dúvida que fica ao final do episódio 2, melhor parar por aqui e dar uma olhada em outro texto do site. Que tal Emily em Paris?

No final do episódio 2, que se passa alguns anos mais para frente, Kate está indo a um velório e surge a dúvida: Quem morreu? Foi a Tully? Parece que sim, mas como ficaria a história? Vai seguir sem ela? Continuará apenas com recordações – “Por que não?”, eu me perguntei; afinal, não é quase toda assim a série? O que não podemos é ficar sem a Tully, seja acontecendo agora ou recordando o que houve. 

Concluí então que os roteiristas teriam que ser muito bons se a Tully não morreu, porque tudo parece indicar que foi ela; e precisam ser melhores ainda se ela morreu, para manter a história. 

Pois o roteiro consegue ser ótimo, só vai trazer a resposta alguns episódios à frente, quando você já está envolvida com tantas outras dúvidas que não escapa mais da trama.

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