A louca sou eu, são eles ou somos todos?

O mundo que vejo fora da janela parece bem diferente do que vivencio aqui dentro do apartamento, dois meses de pandemia, sem passar pela porta rumo ao corredor, a não ser pelas duas idas ao mercado. E, mesmo nesses dias, saio com temor – preparo-me como quem vai para uma guerra contra um inimigo invisível, que pode entrar pela boca, pelo nariz, pelos olhos. Foi assim, preparada, que saí há uns dias.

Eu me senti a louca da covid-19 indo ao mercado de máscara, luvas descartáveis, blusa de manga longa – apesar do dia ensolarado –, lenço cobrindo o colo e o pescoço unindo-se à ponta da máscara. Eu parecia personagem de um filme de outro mundo em contraponto com as pessoas que passeavam traquilamente de short, camiseta e chinelão curtindo o sol.

Passei por um casal levando uma criança pela mão, a menina de vestidinho e serelepe, sorriu diante da promessa de um sorvete assim que saíssem da ótica – que atendia com a porta meio aberta, talvez na dúvida entre ser ou não essencial para estar atendendo no isolamento.

Dentro do mercado, vi mais de dois senhores, velhinhos mesmo, com as respectivas máscaras cobrindo apenas o queixo – minha incredulidade fez meu olhar reter-se mais tempo do que gostaria sobre eles, que demonstraram incômodo.

Também vi dois japoneses que além da máscara normal usavam uma espécie de viseira de plástico na frente de todo o rosto, indiferentes aos olhares de espanto – poucos dias depois viríamos a saber pelos jornais o risco da contaminação se dar também pelos olhos. Ponto para eles. Agradeci meu astigmatismo nesse momento, que me garantiu a proteção extra dos óculos.

Fiz as compras o mais rápido que pude, corri para a fila do caixa mantendo a devida distância do comprador da frente e colocando o carrinho atrás de mim, para que nenhum desavisado se aproximasse mais do que o indicado.

No caminho de volta, parada na esquina no aguardo do semáforo liberar para poder atravessar – e espantada com a quantidade de carros no cruzamento –, percebi um senhor de seus 70 e tantos anos se aproximar fumando! Não tenho como descrever minha indignação. Nem preciso dizer que para fumar a máscara estava devidamente alojada no queixo. Ele vinha andando, curtindo o cigarrinho dele, espalhando fumaça e sabe o que mais em minha direção.

Quando ele já estava quase na esquina onde eu aguardava, reuni todos os meus esforços para demonstrar minha irritação em uma careta (um parênteses: já perceberam como é muito mais difícil mostrar que está brava, com raiva ou irritada com uma máscara que vai do nariz até o queixo?). De alguma forma parece que consegui, porque ele parou; o semáforo abriu e pude voltar rapidamente para casa, onde uma nova batalha me esperava: desinfetar, limpar, higienizar… Para então começar o trabalho do dia nesse novo formato, com os novos desafios.

Enquanto limpava todas as embalagens, lavando algumas embaixo da torneira, com água e sabão, passando álcool gel em outras, eu me perguntava: “Eu estou louca, eles estão ou estamos todos?”

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